Semana de 4 dias: A minha experiência como freelancer

Fotografia de Covene via Unsplash

No início de 2023 decidi testar a semana de quatro dias. Não foi uma decisão fácil. Preocupava-me o impacto financeiro de trabalhar menos um dia por semana, e preocupava-me que os clientes pensassem que estava de tal modo confortável financeiramente que não precisava de trabalhar.

A verdade é que não estava, mas há já vários meses que sofria de fadiga de concentração, e percebi que, se não criasse tempo livre na minha agenda, a qualidade do meu trabalho acabaria por sofrer. Diz-se que escrevemos para resolver os nossos problemas, e a meio desta experiência dei por mim a escrever um livro sobre atenção. Mas já lá vamos. 

Determinei que o meu dia livre seria a sexta-feira, e que manteria um registo de atividades para perceber como tinha ocupado o tempo ao longo do ano. No início de 2024 dediquei-me a analisar essas notas (nada como um projeto de arqueologia aos meus próprios escritos), e é delas que resulta esta síntese (ou aprendizagem em público):

As confirmações

A forma como ocupei o meu dia extra não difere muito dos relatos de participantes em experiências conduzidas por empresas. Uma grande percentagem do tempo foi dedicada a tarefas de manutenção, que sem grandes surpresas começaram a ser “empurradas” para a sexta-feira. Ir aos correios, levar o meu filho ao dentista, mas também fazer toda a miríade de “trabalhos sombra” que nos ocupam sem darmos por isso, como classificar faturas e acompanhar pedidos de reembolso. 

Também os almoços mais longos e os encontros com amigos e familiares ganharam lugar cativo no final da semana. Pus várias conversas em dia, e marquei outras tantas que não sei se alguma vez teria encontrado tempo para agendar. Aproveitei ainda para ler, passear, fazer exercício e visitar sítios que queria conhecer. 

Houve dias em que foi necessário trabalhar: reuniões que só podiam ser marcadas à sexta-feira, temas que não consegui resolver durante a semana, assuntos que não encontravam espaço na agenda. No entanto, saber que estes eventos eram uma exceção fez-me encará-los com outra energia. Além disso, tal como outros participantes em experiências-piloto, também senti que poder contar com um dia para absorver imprevistos contribuiu para reduzir a pressão no dia-a-dia.

As surpresas

Um benefício que não tinha antecipado foi o de poder agendar blocos de tempo ininterruptos para pensar de forma estratégica e tomar decisões. Foi de uma sexta-feira que saiu a decisão de constituir empresa, de fazer um curso e de reorganizar alguns processos de gestão de conhecimento. Tudo porque passei a ter espaço para refletir com calma

Uma surpresa menos positiva foi a dificuldade em lidar com a sensação de “tela em branco” em algumas sextas-feiras. O facto de não ter os dias muito estruturados fez com que, sobretudo no início, fosse difícil contrariar a sensação de que estava a falhar. Foi necessário reforçar internamente a mensagem de que era suposto que este tempo não fosse produtivo e persistir na intenção de levar a experiência até ao fim. No final, estes sinais em forma de emoção permitiram-me também descobrir um pouco mais sobre mim mesma e sobre as crenças que ao longo dos anos fui reforçando sobre o valor do tempo e do trabalho. 

Mas a maior revelação de todas, e aquela que só por si teria feito com que esta experiência valesse a pena, foi a de poder dedicar-me a escrever um livro. A ideia surgiu já depois de ter iniciado o teste à semana de quatro dias, e estou certa de que só avançou porque sabia que teria tempo para dedicar à escrita. Olhando para trás, mesmo sem ter conseguido dedicar dias inteiros a escrever, poder fazê-lo de forma regular todas as semanas, ainda que só por umas horas, foi o que me permitiu progredir incrementalmente no manuscrito. 

E depois do teste?

2023 chegou ao fim sem que eu tivesse feito um plano muito concreto para manter a semana de quatro dias. Como resultado, a rotina rapidamente se instalou e regressei às semanas convencionais. De início nem me apercebi, com a pressão para dar início a alguns projetos, o livro em velocidade cruzeiro, e alguns desafios pessoais que surgiram entretanto. Mas a tomada de consciência serviu de alerta: se não fizer nada para preservar o meu tempo livre, todos os incentivos vão no sentido de o ocupar. 

Este efeito parece acontecer também nas organizações: no livro Saving Time, Jenny Odell conta que em 1999 a professora Leslie Perlow conduziu uma experiência de introdução de um período livre de interrupções numa empresa de desenvolvimento de software. Embora a experiência tenha sido popular entre os colaboradores e alguns engenheiros tinham afirmado querer mantê-la após o teste, quando a professora saiu de cena o espaço que tinha sido criado dissolveu-se. Ainda que a nova prática fosse benéfica para a concentração e a produtividade, os incentivos não tinham mudado, pelo que os comportamentos reverteram ao habitual.

Não seria psicóloga se não acreditasse que a tomada de consciência pode influenciar a mudança de comportamento. Escrevo este texto em junho de 2024, e estou finalmente a conseguir recuperar as sextas-feiras. O livro, esse, sai em setembro.  

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