Seinfeld e a sistematização

Photo Credits: Simon & Schuster

 

Para algumas pessoas, o Seinfeld foi uma descoberta da pandemia, o rosto de mais uma série antiga que decidiram explorar e acabaram por ver de ponta a ponta enquanto as atuais se mantinham em stand-by por falta de condições para gravar novos episódios. 

Mas se a série é a face mais visível do seu trabalho, a verdade é que a sua carreira começou bem antes, nos anos 70, nos clubes de stand-up comedy onde o talento era julgado em tempo real, sem misericórdia nem gargalhadas pré-gravadas como pano de fundo. E prolongou-se bem para lá de 1998, quando terminou a última temporada. Quase a completar 67 anos, continua a escrever e a testar os seus textos com a mesma disciplina que o manteve à tona numa indústria que deixou cair muitas das mais talentosas promessas da sua geração.  

O livro que lançou recentemente e esta entrevista, que deu a propósito da sua publicação, permitem perceber o que está por detrás de uma história que continua a desafiar todas as probabilidades: a sistematização

Para ele, o cérebro é como um pequeno Schnauzer que acabámos de comprar e trazer para casa. Como qualquer cachorro, precisa de ser treinado. E fazê-lo é relativamente simples: consegue-se através da repetição. Eis algumas regras do seu sistema:

Duração e recompensa

Quer se trate de uma sessão de escrita, de um treino físico ou de uma prática de meditação, Seinfeld defende que começar sem fim à vista é uma tortura desnecessária para qualquer ser humano. Precisamos de uma meta, por pequena que seja. Se não for possível 30 minutos, que sejam 15. Se for demasiado, há que começar com 10. O importante é definir uma duração que seja possível de respeitar e que não coloque demasiada pressão antes mesmo de começar. Quando o tempo terminar, é altura de parar e ir fazer outra coisa. Estamos a recompensar o nosso Schnauzer pelo esforço. 

Proteção 24h

Seinfeld refere esta regra a propósito da escrita, mas parece-me que se aplica a qualquer tipo de trabalho em que estejamos a criar algo pela primeira vez. A ideia é que, depois de nos termos esforçado arduamente e cumprido o objetivo, e imaginando que até nos sentimos contentes com o que produzimos, se formos contar ou mostrar a alguém e essa pessoa não gostar ou tiver uma reação morna, vamos sentir que o dia foi desperdiçado e destruir a sensação de missão cumprida com que tínhamos terminado. Por isso ele defende que se espere sempre 24h antes de mostrar a alguém. 

Revisão e teste

Depois da fase criativa, Seinfeld passa para a fase de “construção e polimento”, à qual dedica a maior parte do seu tempo e em que o objetivo é refinar e aperfeiçoar cada palavra, cada frase, até atingir o resultado que lhe parece ideal. Quando termina, leva a sequência de textos para o palco, onde conduz uma experiência quase científica, em que os dados que a audiência lhe vai dando vão sendo processados pelo cérebro como “isto é bom, isto é mais ou menos, isto é muito bom, isto é péssimo.” Terminado o espetáculo, volta ao processo de reescrita e geração de novas ideias.

Auto-encorajamento

A última parte do seu sistema consiste em aprender a encorajar-se, a sentir orgulho em si próprio por se dedicar a fazer algo incrivelmente difícil. Tal como reconheceríamos o nosso pequeno Schnauzer por ter concluído um passeio à trela sem tentativas de fuga, temos que recompensar o cérebro por se ter mantido focado no objetivo perante todas as opções de distração que tinha à sua disposição. 

***

Estas quatro ideias, testadas ao longo de 40 anos de experiência, são úteis quer estejamos a falar de uma performance em palco, de uma apresentação à comissão executiva, de um relatório para um cliente, ou de qualquer outro entregável que requeira a nossa concentração, esforço, energia criativa, e exposição a julgamento externo. Se quiseres discutir como elas se podem aplicar à tua realidade, escreve-me para ana@yellow-pad.com.

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