Geração Z: Uma mudança de paradigma

 

No seu último livro, Klara e o Sol, Kazuo Ishiguro imaginou um mundo em que os adolescentes têm Amigos Artificiais para combater a solidão e precisam de treino regular de interação social com outros adolescentes para aprender as subtilezas do diálogo. 

A história criada pelo prémio Nobel é obviamente uma distopia, mas alguns estudos recentes sobre a Geração Z (os nascidos entre 1995 e 2010) pintam um retrato de contornos assustadoramente semelhantes a estes. 

Em 2017, a investigadora Jean Twenge, que estuda as diferenças entre gerações há mais de 25 anos, publicou um artigo na revista The Atlantic em que alertava para algumas alterações dramáticas nos comportamentos e estados emocionais dos adolescentes. Segundo ela, as diferenças que definem uma geração da anterior geralmente aparecem de forma gradual e ao longo de um contínuo, mas a partir de 2012 as mudanças na Geração Z começaram a surgir de forma abrupta - em todas as suas análises, algumas desde 1930, nunca tinha visto nada assim. 

Vários fatores podem estar na origem deste fenómeno. Jean Twenge associa-o ao momento em que a proporção de Americanos que tinha um smartphone ultrapassou os 50% (passando mesmo a chamar a esta geração iGen, sublinhando o papel que a Internet veio desempenhar na alteração dos seus padrões de vida). Greg Lukianoff e Jonathan Haid, no seu livro The Coddling of the American Mind falam do impacto que a superproteção dos pais, educadores, instituições de ensino e sociedade em geral tem sobre a capacidade desta geração de reagir aos estímulos externos. Mais recentemente, o efeito da pandemia de COVID-19 parece estar também a fazer-se sentir, ainda que os resultados a longo prazo sejam ainda difíceis de prever.

Mas o que caracteriza, então, esta geração? Organizei os dados em três dimensões-chave:

1. Saúde mental e relações

83% dos jovens da Geração Z sentem que a sua geração está sob grande pressão. Os níveis de de depressão, suicídio e comportamentos de auto-agressão têm aumentado a um ritmo impressionante desde 2011, sobretudo entre as raparigas. 

Por outro lado, o desejo de independência, um dos indicadores de saúde mental na adolescência e início da idade adulta, parece ser menos prevalente entre esta geração, que tem menor probabilidade de sair de casa sem os pais do que as gerações anteriores. Conduzir, por exemplo, não parece interessar-lhes particularmente - os pais levam-nos para onde precisam de ir.

Esta geração tem ainda, em média, menos encontros românticos do que os seus pais e avós, e este indicador é pré-pandémico. Em 2015, apenas 56% dos finalistas do secundário tinham tido encontros; para os membros da Geração X (os nascidos entre 1965 e 1980) e os Baby Boomers (os nascidos entre 1946 e 1964), a percentagem era de cerca de 85%. O número de adolescentes sexualmente ativos caiu quase 40% desde 1991.

Também nas relações de amizade os padrões se alteraram: o número de adolescentes que se encontra quase diariamente com os amigos diminuiu mais de 40% entre 2000 e 2015. Não é por isso de estranhar que os seus sentimentos de solidão tenham aumentado dramaticamente em 2013 e se tenham mantido elevados desde então.

Numa nota mais positiva, 83% dizem ter uma nova apreciação pelas interações presenciais como resultado da pandemia, o que pode vir a representar uma alteração nos padrões relacionais desta geração.

2. Carreira

A pandemia parece ter impactado as aspirações profissionais dos membros mais jovens da geração Z - 1 em cada 3 pondera não ir para a universidade. Entre os que vão, 31% dizem que, tendo em conta os efeitos da COVID-19 na economia, estão agora mais inclinados a seguir cursos na área de STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática). 

28% dos que já estão matriculados numa universidade ou curso profissional dizem que a pandemia os levou a alterar a sua área de estudos, e 39% afirmam que afetou a sua escolha de carreira futura. 65% planeiam ser (ou já são) patrões de si próprios.  

Estes adolescentes e jovens adultos parecem ter um foco muito vincado em garantir equilíbrio nas suas vidas. Dados de 2020 do Estudo das Empresas mais Atrativas de Portugal, com uma amostra de 3.739 alunos das áreas de Gestão e Tecnologia de 17 Faculdades portuguesas, e em que aproximadamente 93% são da Geração Z, mostram que conquistar equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal é o objetivo de carreira mais importante para os jovens, tanto no primeiro emprego como no médio-longo prazo. Este resultado diverge do encontrado na edição de 2019 (em que o desenvolvimento contínuo de competências era o objetivo de curto prazo mais importante para os inquiridos).

Dados empíricos vindos do contexto psicoterapêutico (e que, portanto, não pretendem ser representativos, mas apenas indicar algumas observações registadas na prática clínica) apontam no mesmo sentido: ao refletir sobre o seu futuro profissional, estes jovens recusam “horas loucas de trabalho”, “passar a vida exaustos por causa de uma carreira desgastante”, ou “ter uma vida só de sacrifícios”*. 

Ainda antes de 2020, quase 50% dos elementos da Geração Z afirmavam que as gerações anteriores não lhes serviam de guia para a idade adulta por causa de tudo o que mudou no mundo. Num inquérito conduzido em julho de 2020, a percentagem subiu para 67%.

3. Consumo

Prevê-se que esta geração venha a ser mais responsável com o dinheiro do que as gerações anteriores. 65% consideram-se poupadores em vez de gastadores, 80% concordam que é mais importante gastar de forma ajuizada do que ganhar muito dinheiro, e 77% fazem questão de pôr algum dinheiro de parte sempre que o recebem. 70% dizem que os seus hábitos de poupança mudaram como consequência da pandemia. 

Quando ponderam gastar dinheiro, 79% querem investi-lo numa marca em que acreditam. 82% afirmam que a responsabilidade social é uma característica importante ou muito importante nas marcas e 85% acreditam que as marcas deviam preocupar-se com mais do que gerar lucro.

Vale a pena recordar que Greta Thunberg é um elemento desta geração - 4 em cada 10 membros da iGen dizem que as alterações climáticas são um dos temas mais importantes que o mundo enfrenta, e esta preocupação impacta a avaliação que fazem dos produtos. 

No entanto, apesar de terem expectativas elevadas em relação às marcas, têm menor probabilidade de ser leais. Apenas 24% acreditam que a marca importa muito ao fazer uma compra de tecnologia.

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Num texto que escrevi em março sobre os Millennials, deixei uma provocação final a quem depositava as suas esperanças de encontrar maior pragmatismo na Geração Z. A verdade é que é ainda cedo para tirar conclusões - os elementos mais velhos desta geração estão agora a dar os primeiros passos na vida adulta. O que estes dados vêm reforçar é a importância de os conhecer. Só compreendendo quem são, o que sentem e como pensam seremos capazes de os integrar nas nossas equipas e promover o seu desenvolvimento. 

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*Estas impressões foram recolhidas junto de uma Psicóloga com prática clínica. Os testemunhos foram editados e anonimizados para preservar a confidencialidade dos dados. 

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Fontes:

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