1 ano de freelancer: O que aprendi
Em maio de 2020 fiquei sem trabalho. Tinha comprado casa há um ano, o meu bebé tinha 4 meses e eu estava a leste do mercado. Sem saber o que fazer, e com alguns meses de licença parental pela frente, decidi ligar a um conjunto de pessoas de confiança, entre as quais o Luís Rosário. Além de ter sido meu Manager, o Luís é uma das melhores pessoas que conheço. Depois de me ter feito meia dúzia de perguntas, concluiu a conversa com: “se quiseres ser freelancer, enquanto eu tiver trabalho, tu tens trabalho”.
Em setembro o meu bebé foi para a creche, a empresa do meu marido começou a dar sinais de instabilidade e eu comecei a trabalhar com o Luís. Entre as muitas histórias de pandemia que já ouvi, há de tudo - pessoas cujos trabalhos passaram incólumes pela turbulência de 2020, casais em que um elemento foi impactado e outro não, casais em que os dois elementos ficaram sem trabalho. Nós estamos mais ou menos no meio - ambos sofremos as consequências do “ano da peste”, mas ambos tínhamos a sorte de ter qualificações e recursos não financeiros (uma boa comunidade de suporte, por exemplo) que nos permitiram encontrar soluções.
Ao longo deste ano, aprendi mais do que imaginava possível. Algumas lições não estão ainda sequer sedimentadas. Talvez em 10 anos consiga ligar os pontos, se o Steve Jobs tiver razão. Este texto procura resumir aquelas que estão conscientes, integradas e - sobretudo - que me parecem úteis para quem já começou ou vai iniciar um caminho como trabalhador independente.
Lição 1: Sobre planeamento
Quando começaram a surgir oportunidades de trabalhar com novos clientes, o meu critério para tomar decisões era aparentemente simples: se o projeto era interessante, as condições estavam alinhadas e tinha os dias necessários livres, aceitava. Ora isto revelou-se um erro crasso. Com a agenda completamente bloqueada e sem margem para imprevistos (que, inexplicavelmente, encontram sempre maneira de acontecer), o trabalho acumulado acabou por resvalar para noites e fins-de-semana. Demorei vários meses a conseguir recuperar o equilíbrio, e para o fazer precisei de criar uma ferramenta que me ajudasse a tomar decisões, não com base em disponibilidade de agenda, mas sim em objetivos de faturação.
Lição 2: Sobre ferramentas
Como o exemplo que acabei de descrever demonstra, no que diz respeito a ferramentas de trabalho, os primeiros meses de um freelancer são semelhantes aos de uma start-up - está tudo por desenvolver. Desde ferramentas de suporte à tomada de decisão, a ferramentas de gestão do conhecimento ou de acompanhamento da faturação - não existe nada à partida, o que implica criar ou pesquisar soluções existentes no mercado para dar resposta às necessidades que conseguimos antecipar e às que vão surgindo. Embora haja um lado desafiante e estimulante no processo, pode ser frustrante não ter a ferramenta certa quando mais se precisa dela. Ao longo deste ano fui desenvolvendo e encontrando algumas respostas para os desafios que fui encontrando, mas para falar sobre elas precisaria de todo um novo artigo. Se quiseres trocar ideias, escreve-me.
Lição 3: Sobre descanso
Há dias em que ainda não acredito que tenho a oportunidade de passar os meus dias a criar - e ser paga para isso. Quando em entrevistas me perguntavam o que gostava de fazer, respondia invariavelmente: estudar e criar. O que não tinha antecipado, porém, é que existe um fenómeno curioso, a que o Seinfeld chama “fadiga de concentração” e que, levado a um extremo, consegue eliminar todo o gozo inerente ao processo criativo. Quando trabalhava em empresas, mesmo que o meu trabalho fosse maioritariamente focado em concepção e desenvolvimento, havia outras componentes mais relacionadas com a gestão do dia-a-dia que de alguma forma permitiam ao meu cérebro recuperar do esforço de criar. Ainda não encontrei a solução ideal, mas parece-me interessante o modelo dos psicoterapeutas, que além das horas alocadas a consultas (o equivalente ao meu trabalho criativo) têm tempo reservado na agenda para preparação e estudo.
Lição 4: Sobre pessoas
Ao trabalhar com diferentes empresas, estou hoje em dia exposta a muitas pessoas, formas de pensar, trabalhar e comunicar, o que traz uma enorme riqueza e diversidade ao meu trabalho e me faz crescer todos os dias. No entanto, acabo por fazer a maior parte do trabalho de desenvolvimento sozinha, o que faz com que tenha menos oportunidades de pedir opiniões, confrontar pontos de vista, validar perspetivas. Por isso, inspirada por uma ideia do Jim Collins, decidi criar uma Comunidade de Mentores - pessoas com quem falo uma vez por mês, durante uma hora, sobre um tema pré-definido, que pode ou não envolver pesquisa. Este ritual não só me permite manter as relações próximas e vivas (o que, como freelancer e em pandemia, requer intencionalidade), como é para mim uma fonte de inspiração.
Lição 5: Sobre mim
Uma grande parte das interações que tenho hoje em dia em contexto profissional são transacionais, e desconfio que isto não acontece só com os freelancers. Quando vamos para uma reunião online com um parceiro, um cliente, ou um colega de outra equipa nem sempre há grande espaço para “quebrar o gelo”. Todos estamos focados no propósito da reunião e avançamos para ele tão rapidamente quanto possível. Discutimos o que temos a discutir, alinhamos próximos passos e prazos, e cada um vai à sua vida (ou para a próxima reunião). Neste contexto, é muito difícil mostrarmos quem somos. Às vezes apercebo-me de que passou uma semana inteira sem que tivesse feito um comentário sarcástico em contexto de trabalho (ou melhor, faço-os, mas para mim mesma). Este é um dos lados negros (vá, cinzentos) de ser freelancer - é mais difícil mostrarmos quem somos, como somos, expressarmo-nos com naturalidade, à vontade e liberdade como fazemos em contexto de equipa. Felizmente, com o passar do tempo, alguns clientes vão-se tornando equipa e torna-se mais fácil criar esse espaço de segurança.
Lição 6: Sobre espaço
Recentemente voltei de férias e não senti nada. Achei estranho, porque sempre associei estes dias de regresso ao trabalho a emoções fortes. Depois percebi que faltavam pequenas coisas: não precisei de ler os emails, porque o email esteve sempre ligado; não fiz reunião de ponto de situação com ninguém porque sabia perfeitamente em que ponto estavam todos os projetos; não fui tomar café para saber as novidades; limitei-me a entrar no escritório e começar a trabalhar. Não parecia um regresso de férias, parecia só segunda-feira depois de um fim-de-semana normal. A falta de demarcações claras entre as áreas da vida talvez seja uma realidade de quem trabalha em casa, e não apenas de quem é freelancer, mas a combinação das duas traz uma certa dimensão de solidão aos pequenos rituais. À medida que todos nos vamos tornando seres híbridos, talvez esta experiência se atenue - mas isso fica para os próximos capítulos.
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E vocês, freelancers em potência ou em pleno exercício? Que dúvidas e aprendizagens têm para partilhar?