Criatividade segundo Paul McCartney

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O livro The Lyrics - 1956 to the Present reúne 154 letras de músicas escritas por Paul McCartney. Cada letra é acompanhada de um pequeno texto em que explica como surgiu a ideia, como foi o processo de escrita e o que estava a acontecer na altura na sua vida, na sua carreira ou na sociedade como um todo. 

A partir deste registo semi-histórico, semi-biográfico, é possível identificar alguns padrões que se repetem na vida e na obra de Paul McCartney e que terão tido um papel relevante no seu processo criativo - são sete práticas com as quais todos podemos aprender:

1. Procurar inspiração no dia-a-dia

Várias obras de arte icónicas, e não apenas no universo da música, resultam de uma observação particularmente atenta do banal. Paul McCartney diz-se muito desperto para aquilo a que chama o “poder do ordinário”, procurando histórias por contar na realidade do dia-a-dia.

Entre as fontes de inspiração que deram origem a algumas das suas canções:

Na sua opinião, uma das características distintivas dos Beatles era precisamente a capacidade de prestar atenção a estes pequenos pormenores, e até de valorizar os “acidentes” que aconteciam em estúdio, como uma cassete posta a tocar ao contrário que de repente abria a porta para um mundo de novas possibilidades. 




2. Limitar o tempo de trabalho

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No início da sua carreira musical conjunta, Paul McCartney ia para casa de John Lennon, sentavam-se frente a frente, cada um com a sua guitarra, o seu caderno e o seu lápis, e começavam a escrever por volta do meio-dia. 

Três horas mais tarde, Paul McCartney estava de saída. De todas as vezes que repetiram este ritual, criaram uma canção. Com este regime de trabalho deixaram para a História perto de 300 músicas criadas em colaboração. 

Quando se mudaram para Londres, os Beatles entravam em estúdio às 10h00, afinavam os instrumentos, fumavam um cigarro, bebiam um chá e às 10h30 começavam a tocar, à procura de uma ideia. Às 13h30 faziam uma hora de intervalo e regressavam das 14h30 às 17h30. Desses dois períodos de trabalho resultavam habitualmente duas canções.

Não é que o considerassem um limite rígido, mas sabiam por experiência que três horas de trabalho era uma duração natural, que respeitava os seus ritmos de criatividade e atenção. 

Por isso, quando andavam em digressão e Brian Epstein lhes ligava a dizer “Têm a próxima semana livre e vão escrever o próximo álbum”, não lhe parecia absurdo, mas sim uma estimativa realista do tempo necessário para tal empreitada. 


3. Aprender fazendo

Tanto Paul McCartney como John Lennon eram autodidatas. Não sabiam ler ou escrever música, por isso limitavam-se a criar com as ferramentas que tinham. 

Muito do que produziram resultava de fascínio mais do que de estudo, até porque não estudavam no sentido estrito do termo. Aprendiam com as experiências que faziam a tocar sozinhos, em conjunto e com outros músicos. 

Não o consideravam uma desvantagem: era antes, na sua opinião, uma fonte inesgotável de possibilidades criativas.  

Mesmo na sua carreira pós-Beatles, Paul McCartney continuou a aprender guiado pela curiosidade. 

A certa altura, cansado da formalidade de gravar um álbum com uma banda e fazer tudo dentro dos parâmetros da indústria, pediu emprestado algum equipamento de Abbey Road por duas semanas. 

Divertiu-se tanto a fazer experiências sozinho (“como um professor maluco fechado no seu laboratório”) que acabou por manter o equipamento durante seis semanas. No final tinha 18 canções, que deram origem ao álbum McCartney II.


4. Copiar com orgulho

A música, tal como outras áreas criativas, evolui graças a um processo contínuo de influência entre os artistas e as suas obras. Paul McCartney descreve-o como uma corrida de estafetas: um músico pega no testemunho, segura-o durante algum tempo e depois passa-o ao próximo.  

Um exemplo particularmente claro que relata no livro:

  • Os The Who, contemporâneos dos Beatles, causaram sensação ao usar, na música My Generation, a repetição da letra “f” na frase “fade away”;

  • Essa inovação influenciou os Beatles a usar mecanismo semelhante na música Birthday ("take a cha-cha-cha-chance"),

  • O que por sua vez terá inspirado a música Changes de David Bowie (“Ch-ch-ch-ch-Changes”).


O que é interessante neste exemplo é que cada artista ou banda pegou no engenho criativo que lhe foi passado, mas não se limitou a entregá-lo nas mesmas condições. Em vez disso, utilizou-o para criar algo novo, e ao fazê-lo produziu nova obra musical.  


5. Integrar perspetivas

Ao longo dos anos, os jornalistas têm procurado encontrar fissuras nas relações que existiam entre os Beatles. É comum perguntarem a McCartney como era trabalhar com John Lennon, à procura de sinais de discórdia.


A resposta é sempre a mesma: “Era mais fácil - muito mais fácil”. 


Na sua opinião, o facto de duas pessoas com perspectivas diferentes trabalharem em conjunto num contexto em que podiam experimentar novas ideias, aprender e crescer em conjunto tornava o processo criativo mais rico e interessante. 

Também o papel do produtor George Martin é valorizado nesta relação. Quando McCartney levava uma nova canção, Lennon era geralmente capaz de detectar imediatamente o que precisava de ser alterado, e vice-versa. No entanto, se nenhum dos dois encontrasse o problema, sabiam que Martin o encontraria de certeza, e isso dava-lhes muita confiança no resultado final do trabalho em equipa. 


6. Reduzir a pressão

Apesar de gostar muito de pintar, durante muitos anos Paul McCartney evitava fazê-lo porque a perspetiva da tela em branco lhe parecia avassaladora. 

Um dia, o pintor Willem de Kooning ofereceu-lhe um quadro e o músico encheu-se de coragem para lhe perguntar: “O que é?”. 

Kooning respondeu: “Oh, não sei. Parece um sofá”. McCartney percebeu que a sua angústia não tinha razão de ser e foi a correr comprar uma série de telas, tintas e pincéis. 

Para reduzir a pressão, criou para si próprio um cenário imaginário em que um amigo que tinha um restaurante lhe tinha pedido para pintar um quadro para um recanto na sala de refeições. Depois disto pintou cerca de 500 quadros. 

Tal como acontecia com a escrita de canções, terminava quase sempre os seus quadros em sessões de três a quatro horas. Não lhe agradava a sensação de retomar uma obra e ter que recuperar a emoção que estava a tentar expressar. Ainda que pudesse mais tarde dar uns retoques nas pinturas, assim como nas músicas, o essencial da obra ficava criado no final dessas sessões. 


7. Procurar o silêncio

Com o final dos Beatles, Paul McCartney deixou naturalmente de sentir tanta pressão por parte das editoras. Com o compromisso de lançar apenas um novo disco a cada um ou dois anos, sentia maior liberdade para criar.

Compunha por isso novas canções sempre que tinha algum tempo livre, encaixando oportunidades de escrita no meio dos planos familiares.

Para o fazer, procurava criar intencionalmente momentos de silêncio para estar a sós com os seus pensamentos e deixar a imaginação fluir. As opções iam desde esconder-se numa divisão da casa, a parar o carro numa zona particularmente sossegada à beira da estrada, ou a fazer caminhadas na natureza.

Apreciador de pássaros, tinha um livro de bolso, “The Observer 's Book of Birds”, que levava consigo em caminhadas solitárias que usava para pensar livremente. 

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Independentemente de se gostar ou não dos Beatles, de Paul McCartney ou até de música (!), a capacidade de criar de forma consistente ao longo de 67 anos merece, só por si, ser investigada. 

Até porque, apesar de todas as disrupções previstas para os próximos anos no mercado de trabalho, o pensamento criativo continua a ser uma das competências mais importantes para o futuro. 

Quais destas práticas vais “copiar com orgulho”?

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