Trabalho remoto: 5 perguntas a quem sabe
A Catho é uma plataforma de recrutamento online. Tem mais de 750 colaboradores, o site com mais vagas de emprego do Brasil, e uma média de 4 mil novos currículos registados por dia.
Em 2019, em parceria com a Officeless, a Catho iniciou um programa de capacitação dos seus líderes para o trabalho remoto, com o objetivo de acelerar a transformação digital e cultural da organização.
De uma política de trabalho remoto em que apenas 60-70% dos colaboradores eram elegíveis a ficar 2 vezes por semana em casa, a empresa foi evoluindo progressivamente para um cenário em que, em março de 2020, quando foi decretado o fecho dos escritórios, 100% dos profissionais já estavam em casa - tanto as áreas de call center como as áreas de negócio e tecnologia.
A forma pensada, cuidada e faseada como o fizeram foi explicada em detalhe pela Etienne Castro, Coordenadora de Recursos Humanos, neste podcast, publicado em novembro de 2020. Em março de 2021, quando em Portugal enfrentávamos a terceira vaga de covid-19, decidi contactá-la e perceber como evoluíra entretanto o modelo, quais as maiores aprendizagens que fizeram e quais os principais desafios que antecipam para o futuro.
Transcrevo as suas reflexões, na íntegra, abaixo. Obrigada Etienne por ter aceitado contribuir com o seu conhecimento e experiência para esta experiência de aprendizagem em tempo real à distância de um oceano!
O que diria a alguém que pensa “o tipo de trabalho que fazemos não pode ser feito remotamente”?
Eu diria: Experimente fazer remoto! O momento que vivemos com a Pandemia trouxe a necessidade de experimentarmos realizar nossas atividades no formato remoto. É muito interessante que hoje não consigo imaginar trabalhos que não possam ser feitos remotamente. Eu estava aqui pensando num exemplo para escrever, pensei num exame médico, mas hoje a tecnologia já vem sendo desenvolvida para não precisarmos ir até um laboratório de exames e depois seguir para o consultório. A tecnologia está totalmente a nosso favor para romper as barreiras dos trabalhos que imaginamos que não possam ser feitos remotamente.
Como estão a trabalhar para manter e reforçar a cultura da Catho, com as equipas longe do escritório?
A Catho é uma companhia que trabalha constantemente na gestão da cultura, ou seja, não realizamos projetos de cultura eventualmente. Nós sempre estamos pensando na experiência do colaborador, da experiência na entrevista de emprego até o desligamento.
Além disso, para reforçar a cultura, transformamos todos os rituais que antes eram presenciais em rituais online. Das reuniões diárias às reuniões estratégicas, todas elas, no formato online.
A alta liderança é um exemplo na condução dos encontros online. Os líderes foram preparados para trazerem a experiência do presencial para o remoto.
As lideranças convidaram os times para construírem junto como fariam por exemplo as comemorações de aniversário, a que horas começariam e terminariam o dia juntos, como documentar o trabalho e se comunicar.
Todos esses exemplos reforçam a cultura de colaboração da companhia. Continuam a valorizar o trabalho com qualidade e menos re-trabalho, estimulam a criatividade e inovação.
No podcast referiu que tinham começado a fazer focus groups para recolher boas práticas; pode partilhar alguns exemplos do que aprenderam que resulta?
Sim, antes da Pandemia chegar ao Brasil, em Outubro de 2019 a Catho lançou seu primeiro time trabalhando totalmente online. Era um time piloto. Nós estávamos muito interessados em aprender com eles suas melhores práticas e fizemos em janeiro 2020 um focus group. É importante destacar que também estávamos interessados em acompanhar os indicadores de produtividade desse time, entre eles, o tempo de desenvolvimento do que tinham se proposto a fazer, qualidade do que o time tinha produzido e retrabalho.
A partir dos resultados objetivos buscamos suas melhores práticas, entre elas estava: Combinar ou deixar claro o horário de trabalho de cada membro da equipe. O escritório online pode ser flexível no período em que cada indivíduo produz e existe um combinado de que nos horários das reuniões de time todos deveriam estar presentes.
Um outro exemplo de boa prática foram as salas de trabalho virtual, no caso de receberem um novo membro no time é muito importante que ele não se sinta sozinho, para isso deixar um link em que toda a equipe esteja online era importante, assim caso o novo membro ou alguém tenha alguma dúvida, bastava ligar o microfone e todos poderiam contribuir.
Um terceiro exemplo estava relacionado a diminuir a solidão do trabalho remoto, quando estamos no escritório é natural fazer pausas para tomar um café. Com o escritório remoto, a pausa para o café e o estímulo às conversas informais podem continuar acontecendo, basta para isso colocar na agenda dos envolvidos.
Olhando para trás, consegue identificar alguns erros que tenham cometido na transição para o trabalho remoto e com os quais tenham aprendido? No fundo, o que não voltariam a fazer caso iniciassem o processo hoje?
Essa não é uma pergunta difícil de responder, com bom humor e satisfação posso dizer que o erro foi não ter insistido nesse tema antes e colocado na pauta como uma prioridade. Se eu pudesse dizer as lições que aprendemos e o que eu reforçaria como recomendação são:
1) Tenha sua alta liderança interessada em promover a mudança. No caso da Catho o CEO tinha seus dias de trabalhar remotamente e todos que tinham compromissos com ele naquele dia respeitavam a agenda remota. Nada era desmarcado porque era remoto, tudo acontecia. Mas o CEO e os diretores praticavam o trabalho remoto.
2) Trabalhe em conjunto com seu time jurídico para que você tenha uma política de trabalho remoto que atenda à legislação de seu país. Todos devem pensar juntos na solução para viabilizar o trabalho remoto e não nos problemas, o foco tem que ser superar as barreiras e fazer o trabalho remoto acontecer, no nosso caso estudamos com profundidade as melhores soluções para nosso contexto.
3) Capacite a liderança.
A cultura de trabalho em qualquer lugar do mundo tem raízes no comando e controle. Trabalho remoto é sobre autonomia e responsabilidade. Capacitar a liderança é fundamental para preparar uma nova mentalidade de gestão.
Reforço que não foram erros, mas dicas determinantes de sucesso.
Quais os maiores desafios que identificam para o próximo ano, ao nível da gestão do trabalho remoto?
Essa semana, 12 de março de 2021, completa um ano em que a companhia está trabalhando totalmente remota, em virtude da Pandemia. Acreditamos que esse ainda não é o modelo ideal de trabalho e como tudo no mundo, a forma de trabalho também está em transição.
Acredito que o primeiro desafio seja a transição, por exemplo, qual tamanho do novo espaço físico de trabalho que será necessário? Como serão as novas rotinas dos times quando as pessoas puderem estar juntas novamente? Para quais tipos de rituais será necessário que todos estejam juntos?
Um desafio que acreditamos ser importante é qual o diferencial na proposta de valor de cada organização, independente de trabalho remoto ou presencial capaz de engajar uma pessoa a um propósito e fazer com que sua conexão com aquele trabalho seja muito forte? Quais devem ser os novos tipos de benefícios que devem compor o pacote de remuneração para a nova realidade do trabalho remoto?
Enfim, as perguntas em torno de como será o novo mundo após a pandemia são maiores do que a própria discussão dos desafios do trabalho remoto, porque a pandemia nos ensinou que o trabalho não é um lugar mas sim uma proposta de valor tangível e entregável nas diferentes formas e relações.